O filme ‘O Garoto’ (The Kid,1921), escrito,
dirigido e estrelado por Charlie Chaplin (1889-1977), que além de tudo, ainda
compôs a sua trilha sonora, é facilmente um dos primeiros grandes clássicos do
cinema, apesar de ser uma película muda e em preto e branco.
Como
não poderia deixar de ser, é estrelado pelo Vagabundo (The Little Tramp,
Carlitos na versão brasileira), personagem máxima criada por Chaplin, que
consiste em um simpático homenzinho de chapéu coco,trajando um paletó muito justo e calças muito
largas, com um par de sapatos muitos números maior que o de seus pés, o que lhe
proporciona um andar esquisito, quase como de um pato, e, por fim, mas não
menos importante, um cômico bigode escovinha, que até mesmo Hitler tentou
imitar, anos depois, para ver se o deixava mais simpático entre as pessoas,
coisa que acredito não ter funcionado...
Enfim,
apesar do Vagabundo estrelar a trama, ela não começa com sua presença, mas sim
com a saída da personagem que só conhecemos como a Mãe (Edna Purviance,
1895-1958) de um lar para mulheres desamparadas, carregando seu bebê no colo.
Daí
ocorre um rápido corte de cena para o ateliê de um artista, o pai biológico do
garoto, interpretado por Carl Miller (1894-1979), que sem querer, esbarra na
foto da Mãe que estava na prateleira acima da lareira, inadvertidamente fazendo
com que o retrato vire cinzas.
A
cena seguinte mostra a Mãe assistindo a um casamento, ao passar por uma igreja,
percebendo tudo aquilo que não poderá dar ao seu bebê devido ao descaso de seu
parceiro, como demonstrado, alegoricamente na cena anterior do ateliê.
A
moça então, abandona o seu bebê, com um bilhete, no banco traseiro de uma carro
e parte para uma praça, sem ao menos desconfiar que, pouco após ter deixado seu
filho no veículo, o último foi roubado por dois ladrões, que só se dão conta da
presença da criança quando já é tarde demais, abandonando-a num beco qualquer,
pelo qual passava tanto o Vagabundo quanto uma senhora com um carrinho de bebê,
do qual o Vagabundo presume que a criança caiu, tentando devolvê-la, sem
sucesso, inúmeras vezes, até que por fim, tem de aceitar ficar com o garoto,
por conta da pressão de um policial exercida sobre ele.
Ao
mesmo tempo, a Mãe, prestes a cometer suicídio, pulando de uma ponte, é
interpelada por uma criança, que a faz lembrar-se de seu filho, resolvendo
buscá-lo, mas a essa altura, é tarde demais, como a ela mesma constata ao descobrir
que o carro, em que abandonou o neném, foi roubado.
Os
anos passam e o bebê, que o Vagabundo batizou de John (Jackie Coogan,
1914-1984, que também interpretou o tio Chico no seriado da Família Addams nos
anos 60) cresce, tendo agora cinco anos e trabalhando junto de seu pai adotivo
no negócio de vidraceiro da família: o garoto quebra as janelas para que o
Vagabundo as conserte.
Já
dá para imaginar as confusões que vão ocorrer a partir daí, né? Por essas e
outras que esse filme é tão magistral: sabe mesclar momentos da mais pura
comédia, devido ao espetacular talento de Chaplin para a pantomima e
acrobacias, com atuações bastante dramáticas, com destaque para a do então
pequeno Coogan.
O
único defeito desse filme é que o mesmo é curto demais. Confira, abaixo, o filme na íntegra.
Lançado em 1920, o filme que dá nome a este
artigo é mais um dos exemplos do quão inovador o expressionismo alemão foi.
Dirigido
por Robert Wiene (1873-1938), ‘O Gabinete do Doutor Caligari’ é uma película em
preto e branco e muda, que ainda assim consegue prender o espectador numa
envolvente trama de suspense e terror.
Tudo
começa com Francis (Friedrich Feher, 1889-1950) relatando os estranhos eventos
que o ligaram ao caso Caligari, enquanto está sentado junto de outro homem numa
espécie de parque ou jardim.
Aqui
a trama já começa a inovar, pois é toda contada através de flashbacks, método pouco
usual para a época. Diante disso, o telespectador é levado a um ambiente
pitoresco: uma cidade que parece ter saído diretamente dos quadros do pintor
Salvador Dalí (1904-1989), muito antes do mesmo começar a pintá-los.
É
lá que estão Francis e seu amigo Alan (Hans Heinrich von Twardowski,
1898-1958), que apesar da amizade, competem pelo amor da bela Jane (Lil Dagover,
1887-1980).
Ao perambular pelas
ruas de tão estranha cidade, o acaso leva a dupla de amigos até uma
apresentação de um carnaval itinerante, na qual se deparam, pela primeira vez,
com o Dr. Caligari (Werner Krauss, 1884-1959) e seu espetáculo: o sonâmbulo
Cesare (Conrad Veidt, 1893-1943) que, de acordo com o tal doutor, além de ter
poderes de prever o futuro, está em um sono profundo desde que nasceu, há 23
anos.
Enquanto a apresentação
prossegue, Alan é chamado para participar da mesma, tendo a sua morte prevista
para até o amanhecer do dia seguinte. Isso leva a dupla de amigos a deixar o
local, completamente tensos com o novo de desenlace.
Francis acompanha Alan
até a sua casa, após ambos terem um breve encontro com Jane, e depois segue
para sua. Mas a tragédia acontece de qualquer maneira e, no dia seguinte, Alan
está morto, tendo sido assassinado.
A partir daí o
espectador acompanha Francis em sua investigação para saber se tudo não passou
de uma sinistra
coincidência ou se o Doutor Caligari e seu sonâmbulo Cesare estão, de fato,
envolvidos no caso.
O final é
surpreendente, um dos primeiros usos de plot twist (reviravolta na trama) na
história do cinema. E a trilha sonora... ah, a trilha sonora...parece ter vindo
diretamente de trinta anos no futuro, utilizando algo parecido com riff’s de
guitarra, hoje tão usuais no rock, mas que devem ter soado de maneira bastante
estranha na época do lançamento do filme.
E o melhor de tudo, caro leitor, é que posso disponibilizar o longa na integra, pois é um dos poucos que já estão em domínio público!
“O mediador entre o cérebro e as mãos
deve ser o coração”
Não, não se trata da cidade defendida pelo
Superman, apesar da mesma ter recebido o seu nome devido ao filme que é assunto
deste artigo. Essa é apenas uma das várias obras que Metropolis, de 1927,
inspirou e influenciou.
Dirigido
por Fritz Lang (1890-1976), cineasta austríaco, veterano da 1ª Guerra Mundial,
e principal expoente da escola cinematográfica expressionista alemã, Metropolis
é considerado um dos primeiros, senão o primeiro longa-metragem de
ficção-científica distópica da história.
Enquanto
a classe operária trabalha incessantemente, durante 10 horas por dia, lidando
com máquinas infernais, numa produção interrupta (numa clara alusão a linha de
produção fordista), passando o restante do seu tempo na Cidade dos
Trabalhadores, localizada nos subterrâneos da cidade futurista, (numa óbvia
crítica ao abismo que existe entre os mais ricos e os mais pobres em muitas
sociedades), a classe mais abastada, os habitantes da dita Metropolis, que dá
nome ao filme, dividem o seu tempo com frivolidades, ou no Clube dos Filhos,
onde praticam esportes, ou nos Jardins Eternos, uma espécie de parque das
delícias carnais, onde belas e jovens mulheres são a principal atração, no que
parece ser uma das primeiras críticas a objetificação da mulher e de seu papel
na sociedade que se tem notícia, pelo menos na tela grande.
A
sua trama é baseada no romance de mesmo nome de Thea von Harbou (1888-1954),
esposa de Lang na época, tendo sido publicado em fascículos na revista
Illustriertes Blatt, de Frankenfurt, a partir de 1925, trazendo em suas páginas
também fotos da produção do filme.
O
roteiro da película, assim como o livro, é de autoria de Von Harbou, cuja
premissa básica é a boa e velha luta de classes ambientada no então distante
ano de 2026.
São
nesses ambientes que o espectador é apresentado a Freder Fredersen (Gustav Fröhlich,1902–1987, um
jornalista que incialmente, faria uma ponta de figurante, como um dos muitos
operários, até chamar a atenção de Brigitte Helm,1906–1996, estrela do filme,
que o recomendou a Lang para protagonizar a trama ao seu lado), o filho do Manda-Chuva
de toda Metropolis, Joh Fredersen (Alfred Abel, 1879–1937).
Aparentemente,
Freder é um jovem feliz em sua ignorância, praticando atletismo com os seus
amigos no Clube dos Filhos ou divertindo-se nos Jardins Eternos, mas um dia
tudo muda, quando nesse último lugar, Maria (Brigitte Helm), numa visita
não-autorizada, leva algumas crianças, filhas dos operários, para conhecer os
seus irmãos da superfície.
O
encontro abala profundamente Freder não só porque ele começa a apaixonar-se por
Maria, mas também por abrir os seus olhos para o mundo que existe além do dele.
De tal forma que, tal qual na obra “O Príncipe e o Mendigo” (1881), de Mark
Twain (1835-1910), Freder troca de lugar com o trabalhador Georgy, ou operário
11811 se preferir, para ver como realmente vivem os trabalhadores e reencontrar
Maria.
Ao
mesmo tempo, Joh Fredersen preocupa-se com um misterioso pedaço de papel que,
aparentemente, contém uma espécie de planta-baixa e foi encontrada junto de um
dos operários que foi vitimado num grande acidente em meio as máquinas.
Acidente esse que Freder presenciou, em sua busca por respostas, mesmo que seu
pai de nada desconfie.
Esse
evento leva pai e filho a tomarem caminhos opostos, enquanto o primeiro vai em
busca de respostas junto ao cientista louco Rotwang, que rapidamente desvenda o
mistério da planta-baixa como um mapa das catacumbas abaixo da Cidade dos
Operários, o segundo é levado direto até elas por colegas operários, chegando a
uma antiga catedral, cuja idade remonta há mais de 2000 anos.
Antes
que as histórias dos membros da família Fredersen se cruzem, Rotwang mostra a
Joh a sua última e grande invenção, pela qual sacrificou a sua mão direita: a
androide que trará de volta à vida Hel, amada tanto do cientista quanto do
capitalista, sendo que esse último teve a sorte de desposá-la e ter um filho
com ela. Trata-se da mãe de Freder, que morreu dando-lhe à luz.
Abalado
com que foi lhe mostrado, Joh deixa-se conduzir, pelas catacumbas, por Rotwang,
até chegarem a uma fenda pela qual podem enxergar o interior da catedral.
Lá
está Maria pregando sobre o grande mediador, uma espécie de messias que ajudará
na conturbada relação entre operários e capitalistas. Para tanto, ela se
utiliza da parábola da Torre de Babel, na qual os seus arquitetos não
conseguiram passar a sua visão da construção para os operários, vindos de
terras distantes.
Em
meio aos trabalhadores ali reunidos, escutando a pregação, está Freder que,
finalmente, compreende que é dele o papel de mediador. É interessante esse
aspecto na relação entre Freder e Maria, sendo que essa última serve como
preceptora do messias que virá, numa interessante analogia tanto a Virgem
Maria, mãe de Jesus, da qual obviamente a personagem tira o seu nome, como a
João Batista, aquele que prepara o terreno, por assim dizer, para as pregações
do Nazareno.
De
volta a Joh e Rotwang, enquanto o primeiro fica horrorizado com a possibilidade
de uma revolução operária, o último percebe a presença de Freder no interior da
catedral, após a multidão começar a dispersar-se e o jovem seguir até ao altar
ao encontro de Maria.
O cientista nada diz
quanto a isso ao seu companheiro que, por sua vez tem suas próprias ideias:
substituir Maria pela androide de Rotwang, de modo que ele possa comandar os
rumos da suposta revolução, ficando clara a conexão anteriormente com João
Batista, também um mártir, que tudo sacrifica por seu Messias.
E assim a história
prossegue, mas não esperem que o final aqui seja relatado. O principal objetivo
dessas linhas é fazer com que vejam o filme e tirem as suas próprias conclusões
a respeito.
Ah, uma última coisa,
qualquer semelhança da androide do filme Metropolis e C3-P0, da saga Star Wars,
NÃO é mera coincidência.
Nota: o crédito das imagens dos bastidores do filme está na parte superior das mesmas, da conta do Instagram da qual as retirei: